Quem é você? Diga logo que eu quero saber do teu ódio.
Sinhá não quer batuque na cozinha nem em lugar nenhum e faz de tudo para
silenciar a batucada dos nossos tantãs. Por que madame gosta que ninguém sambe
e quer ver nossa viola bem no fundo do baú?
No início do ano essa discussão ganha um componente
aditivo: São três, quatro dias, às vezes, até uma semana de folia para
desespero das carolas e conservadores de plantão. Até a crise usam para
justificar cancelamentos de eventos oficiais previamente estabelecidos nos
orçamentos municipais. “A saúde um caos e a prefeitura gastando dinheiro com
carnaval...” bradam o refrão já batido. Minha curiosidade não se segura e tenta
adivinhar se os problemas na área de saúde e educação vão ser resolvidos
retirando o carnaval do povo.
É verdade que muito antes do Brasil o carnaval já
existia. Mas, como o futebol, macunaimamente, nós esquartejamos, comemos o
carnaval e parimos o nosso próprio, de pés descalços, inebriados de cachaça. A partir disso, o país e a festa popular tornaram-se
indissociáveis, mais: transformaram-se em um só. É a santíssima trindade
tupiniquim: Povo, carnaval e futebol, unificados a partir do início do século
XX.
Democrático, como sempre foi, o carnaval torna quase
real o devaneio dos foliões. São freiras, padres, até papas, são piratas, são
reis, são palhaços e marcianos, dançando à sombra de alegorias. Senhores do
próprio destino até que uma quarta-feira de cinzas transforme em pó tudo o que
foi sonhado. Doce ilusão. Mas, no entanto, é preciso cantar. É preciso cantar
para alegrar a cidade! É das cinzas que levantamos, sacodimos a poeira, damos a
volta por cima e, com o respaldo de nosso peculiar calendário, iniciamos o novo
ano de fato. Precisamos dessa orgia para encararmos entorpecidos o peso dos
meses que se avizinham. O salário que não compra o básico, afinal, de que serve
um saco cheio de dinheiro para comprar um quilo de feijão? O abismo separando
uns com tanto e outros tantos com algum da maioria, sem nenhum. O soluçar de
dor que ninguém ouviu. As Ritas que levam nossos sorrisos. Essa tristeza que
não tem fim furando nosso peito, que nem tem mais onde furar. As tábuas que vão
caindo, as Iracemas pinchadas no chão, nos paralelepípedos das velhas cidades,
os apitos que emudecem, fazendo com que os nomes caiam no esquecimento. É preciso,
sim, cantar, para lembra-los! É preciso cantar, pois uma melodia acende no
coração do povo a esperança de um mundo novo.
Se as cinzas servem para lembrar que a loucura do
carnaval chegou ao fim, elas também alertam e nos fazem questionar se a loucura
real não está na sociedade construída por nós ao longo dos anos, na qual se
passa mais tempo dentro de um escritório do que na própria casa, na qual se
justifica a miséria em função do capital, uma sociedade racista, machista e
homofóbica. O menos louco no salão da vida é folião. Deixem o folião em paz, na
folia, e voltem para os seus jornais e suas novelas.
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A música pulsa como um Eco, estes sons meus amigos são os nossos teleco tecos que vibrantes pulsam igual nossos corações, valeu o comentário!!