Ocorre que com a restauração arquitetônica e patrimonial a praça de Madame Satã passou a abrigar uma série de novos sambistas de exímia formação musical e sobrenome estrangeiro: Eduardo Gallotti, Edu Krieger, Yamandu Costa, Zé Paulo Becker, Moyseis Marques, Henry Lentino e até um tal francês de nomeada Nicolas Krassik. Curioso que, neste ínterim, o brasileiríssimo Seu Jorge, que deveria ser o ícone desta geração de artistas por figurar a maior vocação de intérprete desde a aparição de Zeca Pagodinho, gravaria o seu Cru em Paris com direito a uma canção em italiano. Isto ainda diria pouco, se aquele que poderia vir a ser a grande promessa do samba não apostasse na inusitada parceria (É isso aí!...), com a burguesinha Ana Carolina. À luz de Ismael Silva, quiçá ainda haja reparação caso o peregrino enamorado da Pretinha – refiro-me ao sucesso musical “Morando em São Gonçalo, você sabe como é” –, possa se regenerar ao se render a uma espécie de exaltação a Noel, Cartola e Candeia, em DVD produzido pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho, com a bênção de Sinhô e Nelson Cavaquinho.
Confesso que rezo todos os dias a São Jorge, para que os meninos da Lapa moderna, de chapéu panamá emprestado por Jobim, migrem, sorrateiramente, para as areias de Copacabana sob a égide de Bôscoli, Menescal e Lyra. Ou, então, que procurem compor MPB de fina estirpe, conforme Chico Buarque, Francis Hime e Edu Lobo. Por obséquio, não fabriquem samba de gringo, com cavaquinho e sotaque italiano. Lembrem-se de que, com engenho e originalidade, em Saudosa maloca e Samba do Arnesto, o mestre Adoniran Barbosa já o fizera em São Paulo! Convém ressaltar que o público sente nostalgia do tempo em que nome de sambista era Donga, Pixinguinha, João da Baiana, Zé Keti, Alcides Malandro Histórico, Manacéa, Mano Décio da Viola, Beto Sem Braço etc, de modo que peço licença para não prosseguir neste cortejo ou cordão, porque, modéstia à parte, meus senhores, eu sou mais Martinho e Luiz Carlos da Vila.
Todavia, a roda de bambas embranqueceu de tal maneira que, hoje em dia, o partido-alto e o jongo sofrem influências de Mozart e Chopin, e a temida navalha tão estimada pelo negro capoeira do século 19 se transformou em objeto de decoração, ao dispor dos impávidos turistas nos antiquários da Rua do Lavradio. Enquanto isto, o malandro de terno branco e sapato bicolor, não mais “mora lá longe e trabalha como dizem as más línguas”, mas desembarca fagueiro na Siqueira Campos, com leve sotaque em seu inglês quase fluente e bebe suco de laranja com vodca e gelo...
Pelo andar da carruagem – digo, do metrô –, ando muito desconfiado de que uma das figuras mais típicas da região, as bonecas travestidas das esquinas, em tempo de crise, são mulheres de pele e osso, sem bráulio e silicone... Enfim, não duvido também que a gentil Teresa Cristina seja, por debaixo do manto portelense, uma baita louraça belzebu da Barata Ribeiro, que todas as noites se disfarça com a fantasia de mulata adquirida em Vila da Penha, com cílios postiços e peruca pixaim, para cantar sem culpa e remorso no Carioca da Gema, na ilustre companhia de um neto bem apessoado do niteroiense Antônio Callado. Meu caro parceiro Seu Jorge, eis a Lapa moderna.
* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras, é professor da Universidade Estácio e autor dos livros ‘Com licença, senhoritas (A prostituição no romance brasileiro do século 19)’ e de ‘O enigma Diadorim’.
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A música pulsa como um Eco, estes sons meus amigos são os nossos teleco tecos que vibrantes pulsam igual nossos corações, valeu o comentário!!