segunda-feira, 3 de abril de 2017

PEROLA NEGRA - POR ANDRÉ BERTINE


 A cortina, estática pela ausência de vento, se agiganta do alto da grua até esgueirar-se pelo palco de madeira como quem o agasalha. A plateia, na expectativa de um grande show, está em absoluto silêncio, exceto por algumas tosses que escapam ao ordenamento e podem ser ouvidas da coxia. Meu coração dispara. Tudo passa lentamente e, de modo estranho, parece que nunca sou eu que estou ali. Reparo que para os meus pares também é um momento de tensão. O teatro está lotado. O som que foi passado está bom? Será que desafinou alguma corda do meu instrumento? Pairam sobre as nossas cabeças as dúvidas de sempre e é preciso tomar cuidado para que elas não se imponham à concentração exigida naquele momento. Busco águas calmas em um porto seguro. E lá está meu farol: Thereza Alves, uma rocha delicadamente concentrada. Cabeça baixa, dedos entrelaçados nas mãos que repousam calmas logo abaixo da cintura, os lábios se mexem inaudíveis como quem murmura um mantra. De repente, a cabeça sobe lentamente, os seus olhos se abrem e eles encontram os meus. Ela sorri. E, dali em diante, eu tenho a absoluta certeza de que tudo dará certo e o show será perfeito.

Thereza entra no palco aplaudida. São mais de 50 anos dedicados a arte. A arte de cantar e encantar plateias. Surgem os primeiros acordes e, pouco a pouco, vou me liquefazendo, me moldando, buscando o meu espaço entre os sons da marcação e os ponteios das cordas. Thereza abre a voz anunciando a chegada do primeiro refrão. Paulatinamente, aquela tensão vai se transformando em prazer absoluto. Ela está de costas para mim e observo cada movimento, cada gesto, cada nota. Tudo minuciosamente belo. Sem exagero, mas exageradamente lindo. Tudo nela me soa puro, sincero, sem floreios desnecessários. Uma joia que o clarão da luz em contraste com a pele negra deixa ainda mais linda. É a Pérola Negra.
Foi no sucesso dos programas de auditório que Thereza iniciou sua carreira. Em um tempo que eles eram todos ao vivo e não havia espaço para erros, nem recursos tecnológicos para driblar alguma desafinação. Era ali e na hora. Foi a era de ouro da rádio. Três, dois um e pau, o Brasil conhecia aquela voz marcante que posteriormente dividiria palco com gigantes da música popular brasileira como Baden Powell, Jair Rodrigues, entre tantos outros. Cantou e encantou milhares de pessoas, gerações. Fez tanta gente chorar e tanta gente sorrir que a vida, em retribuição, manteve o seu vozeirão intacto ao longo dos anos. Uma voz forte feito a rocha que estava há minutos ali, concentrada em minha frente, tão segura que me passava segurança só de se deixar ser olhada. Uma voz doce, sublime que chegou a ser compara às de Elizeth Cardoso e Ângela Maria ecoava pelo teatro para o deleite da admirada plateia.

Após o bis, finda-se o show. Thereza agradece ao público que retribui aplaudindo de pé. Ao virar-se para agradecer os músicos meus olhos encontram os seus já marejados e tomados pela emoção. Não, Thereza, nós é que temos que agradecer por termos tão perto uma artista do seu gabarito. Agradeço por ter mantido seu talento intacto ao longo dos anos. Agradeço por ter atravessado gerações para também encantar a minha. Temos muito, mas muito o que aprender com a sua arte. Serei eternamente grato por ter a honra de dividir, palco, emoções e canções contigo.
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A música pulsa como um Eco, estes sons meus amigos são os nossos teleco tecos que vibrantes pulsam igual nossos corações, valeu o comentário!!